segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Maria da Conceição Magalhães





A nossa entrevistada é médica. Foi a primeira Professora Catedrática da Faculdade de Medicina do Porto. Falar-se-á, nesta entrevista, de Maria da Conceição Magalhães e da sua viagem, sobretudo no agora e no futuro.
É um dos cinco filhos de uma família que, como o pai era militar de carreira, foi “peregrinando“ pelo país, mantendo-se, contudo, sempre unida. Aprendeu as primeiras letras no Porto, depois estudou em Braga mas terminou no Porto, licen­ciando-se na Faculdade de Medicina. Ti­nha sonhado com Cirurgia mas fez a sua iniciação em Endocrinologia. Talvez o encantamento pelo mundo maravilhoso do muito pequeno (celular ), já então vi­sível através do microscópio electrónico, e um outro encantamento- o noivo, logo marido- tê-la-ão feito deixar a prática da Medicina para se dedicar à investigação - em Biologia celular molecular.
“ O Outro “ parece ter norteado a sua vida : “o Outro” na escolha da profissão, a descoberta “ do Outro “ no gosto pela História , pelas via­gens; “o Outro” na preocupação com a juste­za/justiça imparcialidade e frontalidade nos seus comportamentos; ainda o “o Outro” no seu casamento com um colega, também emi­nente investigador e, dando-se um ao outro, amalgamaram-se, tornando-se uma unidade ( ela diz – “ Nós éramos um! “).
Gosta de desporto, em especial de futebol e, de modo ainda mais especial, do Benfica.

P. Diz-se que se conhecem os homens/ mulheres pelo que lêem. Julgamos que também pelas palavras que escrevem nos seus escritos, pelo que amam, pelo que os move, por aquilo de que têm medo… O que quer dizer-nos de si relativamente àqueles aspectos?
R. Sou uma leitora compulsiva. Dostoievski é um dos meus autores preferidos, talvez o que mais me marcou; também au­tores como Camus e alguns dos clássicos portugueses foram especiais. Hoje leio, principalmente, livros relacionados com História e com os problemas do mundo actual.
O que me move? A verdade; a verdade nas accões, nas rela­ções, nos discursos.

Detesto o compadrio, a parcialidade, a opressão. Aprecio a frontalidade.
Nos meus amores, a família tem um lugar muito especial.
Vejo com desagrado e preocupação alguns dos comportamen­tos da nova geração; por exemplo na mulher - demorou séculos a adquirir o estatuto de pessoa, a deixar de ser considerada ape­nas objecto mas parece que muitas jovens, actualmente, adop­tam, porque preferem, o estatuto de objecto; é uma regressão. Assusta-me também o uso insano de conhecimentos científicos e tecnologias; exemplo simples é o da aplicação da procriação medicamente assistida com escolha de características específi­cas para o bébé, ou o recurso a barrigas de aluguer como se de um saco apenas se tratasse.

P. O que é que a levou a fazer o curso de Medicina numa época em que tão poucas mulheres frequentavam esse curso?
R. Desde nova que tenho a pancada do “Outro”, a paixão do “Outro”, embora nem sempre seja fácil saber o que “isso é”. A escolha da Medicina foi nessa linha – ajudar, “salvar” o pacien­te. Acabei por optar por um caminho diferente, apaixonei-me pela investigação em Biologia celular-molecular e afastei-me do contacto directo com os doentes. Em nenhum momento se me pôs a questão de escolha enquanto mulher; as opções exis­tiam, era indiferente o género, quem fosse capaz agarrava-as. Para mim, nesse campo não era, nem é, diferente ser homem ou mulher.
P. Foi a primeira mulher Professora Catedrática na Faculdade de Medicina do Porto , num tempo em que essa área era um reduto de homens...Como viveu esse pioneirismo? Como vê as suas vivências na profissão à luz da história da evolução da situ­ação da mulher na sociedade portuguesa do séc.XX /XXI?
R. Sabe que não me considero uma pioneira? Nessa época, a sociedade já estava mais aberta e o meu profissionalismo e o meu temperamento fizeram com que não tivesse contestação no meu meio…Eu acho que a frontalidade gera admiração e amizade. Repare: na votação só tive bolas brancas, prova de que me aceitaram…O que me aconteceu foi a evolução natural na carreira; nunca senti nenhuma discriminação por ser mulher; a mulher, o que tem a fazer é: se lhe surgir uma oportunidade, agarrá-la, seguir o seu caminho com perseverança. E, se tiver um escudo invisível como eu tive, o meu marido, tanto melhor…

P.. Sabemos que gosta de viajar. O que procura quando viaja?
R. O prazer da descoberta, de conhecer outros povos, outros modos de ser e de viver. O meu gosto pela História é também responsável pelo meu interesse em viagens: conhecer “ in loco” lugares que, no passado, foram palco de grandes civilizações como a grega e a romana. A viagem que fiz à Grécia é um desses exemplos; foi com deleite que passeei por locais onde deambu­laram e discursaram Sócrates, Platão e outros.
Outra das minhas viagens que, para além de prazer e conheci­mento, me proporcionou vivências extraordinárias em termos dos contactos humanos foi a minha ida/ estadia em Paris, no inicio da minha carreira; convivi com pessoas de diferentes lu­gares, profissões, modos de estar na vida …Foi um ano muito marcante na minha vida.
P. Há muito que frequenta o ICDAFG. O que é que a trouxe? O que mais lhe agrada/ desagrada nesta Instituição? Que suges­tões propunha para que o ICDAFG fosse ainda mais dinâmico, com maior capacidade de enriquecer a vida dos seus alunos ?

R. Quando me reformei, abandonei, deliberadamente, o que me ligava à actividade profissional. Era altura de me dedicar a outras áreas do saber que me apaixonam, mas que negligenciara porque o meu envolvimento na profissão era pleno e intenso. Soube que este instituto tinha professores de grande qualidade que me poderiam ajudar a melhorar o conhecimento nos meus novos, velhos, interesses. Essa foi a principal razão da minha vinda; encontrei o que procurava. Além disso, entendo que o que o Instituto oferece preenche um leque muito diversificado.
Embora tenha alguma dificuldade em deslocar-me mais vezes ao ICDAFG, viria de bom grado e com regularidade, para participar em conferências sobre temas formativos em discus­são na actualidade, quer científicos quer de outra índole ( por exemplo: Geopolítica, Desenvolvimento Humano, Economia, História…)

P.• .Temos alguma curiosidade sobre o seu interesse pelo fu­tebol. Pode dizer-nos como nasceu e o que o alimenta?
R. Desde criança que gosto de desporto. Praticava Volei­bol e patinagem. O futebol foi surgindo; sou benfiquista desde que me conheço. Essa adesão não tem qualquer ligação com os meus familiares, talvez tenha acontecido por aquele clube ter uma grande base muito ligada a gente comum. Sigo com aten­ção a informação desportiva dizendo ou não respeito ao meu clube. É com muito prazer que vejo um bom jogo deste des­porto, mas deixei de ver os do Benfica porque o envolvimento emocional é muito grande.

P. • O importante para cada um de nós é o que ainda pode ser vivido - o futuro- . Quer falar de planos que tenha para o devir, de sonhos que ainda não concretizou?
R. Tenho sempre planos para o futuro. Neste momento, estou a reorganizar a minha biblioteca e isso vai ocupar-me durante um bom tempo. Entretanto, continuarei as minhas leituras e sempre que possível as viagens – gostaria de ir à Austrália, a Israel, ao Vietname…


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