quarta-feira, 8 de junho de 2011

Criação da Igreja de Cristo-Rei na cidade do Porto.


Quem há cerca de um século conhecesse esta Zona, espantar-se-ia se lhe dissessem que em tão pouco tempo ela se transformaria tão radicalmente. Era então uma zona tipicamente rural, de monte, campos e pinhais, com pequenos núcleos de população em Serralves, Vilarinha, Passos (a caminho de Nevogilde), servida por maus caminhos que, através de Lordelo, a ligavam, por Vilar, à cidade do Porto.
Não deixa, todavia de ser curioso pensar que já então estava lançado, de há muito, o que havia de ser o principal factor da sua rápida e profunda modificação. Fora antiga, de facto a ideia grandiosa de ligar o Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República) ao Forte do Castelo do Queijo por uma extensa avenida, direita ao mar.
Esse projecto – bem revelado pela orientação que logo se lhe deu – começara a concretizar-se pela abertura da Rua da Boavista até à Rua de Cedofeita (tal como figura na célebre «Planta Redonda), do começo do século XIX, a mais antiga que do Porto se conhece).
Em meados desse século, já essa rua, atravessando o passal do priorado de Cedofeita, fora prolongada até ao caminho que ia do sítio do Bom Sucesso (onde hoje há o mercado do mesmo nome) para Francos, ou seja, mais ou menos, até à actual Rotunda da Boavista (nesse troço poente então denominada rua do Jasmin). E no fim do século já se fora estendendo rectilineamente até ao cruzamento da estrada que, de S. João da Foz, levava a Matosinhos, no sítio da Fonte da Moura.
Com a abertura dessa via, estava criado o condicionalismo fundamental para a urbanização dessa zona, a pouco e pouco, foi adquirindo o seu actual contorno. A avenida da Boavista lá foi prosseguindo até ao litoral. A estrada que vinha da Foz até ao Alto da Pasteleira, e daí seguia para o centro da cidade pela Rua de Serralves deu lugar à actual Avenida do Marechal Gomes da Costa.
A população ia crescendo e acentuava-se a necessidade de lhe assegurar assistência religiosa regular, tanto mais que eram distantes e mal servidas de comunicações as igrejas paroquiais mais próximas. E o problema agudizou-se quando se construiu o Bairro de Casas Económicas de Gomes da Costa, cuja ocupação veio provocar novo surto populacional.
Os Padres Dominicanos, desde 1937 instalados junto do Jardim do Carregal, vinham então celebrar a eucaristia e confessar, aos domingos, dias santos e primeiras sextas-feiras do mês, na capela da casa do Conde de Vizela, na Rua de Serralves.
E pensou-se que estavam naturalmente indicados para se incumbirem de ocorrer em melhores condições às necessidades espirituais dos novos moradores desta zona, edificando-se para tal efeito uma igreja e convento onde se fixassem. Foi o superior de então, Fr. Tomás Videira quem nesse sentido iniciou conversações, mas havia de ser o seu sucessor, Fr. Estêvão da Fonseca Faria, incentivado aliás pelo Bispo D. Agostinho de Jesus e Sousa, o promotor entusiasta e incansável dessa iniciativa. A ideia teve logo o melhor acolhimento por parte do Presidente da Câmara Municipal, Prof. Dr. Luís de Pina, que até frisou quanto era justo ceder à Ordem de S. Domingos um terreno para a sua casa, em reparação do convento que no século anterior o Estado lhe tinha tirado, nesta cidade do Porto.
Efectivamente, com a extinção das ordens religiosas em 1834, todos os bens destas haviam sido integrados na Fazendo Nacional, sendo praticamente destruído o Convento de S. Domingos, no Largo do mesmo nome (onde hoje se encontra a Companhia de Seguros Douro), e leiloadas até as suas alfaias sagradas….
Mas nem tudo foi fácil, na concretização da obra projectada. Isso, porém fica para o próximo Boletim, que o espaço, desta vez, não dá para mais. (2) Apesar do bom acolhimento que a ideia da construção nesta zona de uma igreja e convento dos Padres Dominicanos mereceu do Presidente da Câmara Municipal do Porto, nem tudo foi fácil, como dissemos em artigo anterior, na concretização da obra projectada, a que o Fr. Estêvão se lançou dedicadamente.
Foram necessárias várias diligências junto do Ministério das Obras Públicas, a que deram o seu apoio o Engº Daniel Barbosa e o Dr. José Nosolini, para que o terreno (cerca de 7.000m2) fosse finalmente cedido para esse efeito em 1950.
Entretanto pensando na conveniência da sua presença no local durante os trabalhos a realizar, já desde Agosto de 1949 a comunidade dos Padres de S. Domingos tinha conseguido instalar-se numa casa alugada da Avenida Marechal Gomes da Costa (hoje na Rua de Afonso de Albuquerque, então ainda não aberta). Aí fizeram de uma sala uma capela, em que celebravam publicamente a missa nos dias de semana, continuando a manter as missas dominicais na capela do Conde de Vizela, na Rua de Serralves.


Formavam então a comunidade, além do Fr. Estêvão, o Padre Gonçalo Tavares, o Padre Bartolomeu Martins e o Fr. António Gomes. Obtido o terreno, formou-se uma comissão presidida pelo Dr. José Nosolini e de que faziam parte o Dr. António de Sousa Machado, Edgar Lello, Dr. José Bacelar, Dr. Albano de Magalhães e José Moreira Rodrigues, com a finalidade de angariar donativos para o empreendimento.
Ouviram-se arquitectos, que apresentaram vários ante-projectos para a obra. Apreciaram-se e discutiram-se diversas sugestões e propostas. Escolheu-se a invocação de Cristo-Rei para a igreja e convento. E acabou por ser aprovado pela referida comissão e pelo Vicariato da Ordem de S. Domingos em Portugal o projecto que deu origem à actual construção.
Aberto concurso para a efectivação da obra, foi a mesma adjudicada, à firma Ramalhão & Silva que logo em Abril de 1951 começou a preparação do local.
E em 28 de Agosto desse ano, numa manhã chuvosa, foi benzida a primeira pedra do edifício pelo Senhor Bispo Auxiliar do Porto, D. Policarpo da Costa Vaz. Estava em andamento a obra sonhada, que alguns timoratos se não coibiam de julgar imprudente, manifestando a Fr. Estevão os seus receios, mas que os bons cristãos desta zona, sobretudo os mais simples, encravam com toda a esperança e entusiasmo. Isso veremos melhor num próximo número.
(3) Benzida a sua primeira pedra, as obras de construção da igreja de Cristo-Rei decorreram céleres no meio do interesse geral dos habitantes desta zona. Se alguns se atreveram a acoimar de imprudência a ousadia de Frei Estevão em balançar-se a uma obra tal vulto, certo é que à sua volta não faltaram boas vontades para o ajudar a perseverar em levá-la a cabo.
Em primeiro lugar, os membros da comissão da obra, de que também faziam parte, além dos já apontados no precedente artigo, o Prof. Luís de Pina, o engº Daniel Barbosa, Álvaro de Magalhães e o Dr. José Rodrigues Gomes. Foi um grupo de senhoras, que se constitui também em comissão e de que faziam parte as Senhoras Donas Lia Madeira, Rosália Tamegão, Maria Aires Pereira, Maria Adriana Sampaio, Lúcia Monterroso Miranda, Nomémia Pinheiro Torres, Margarida Martins, Maria Lívia Nosolini, Maria de Lurdes Pina, Maria Teresa Bacelar e Carolina Lello. E foram ainda inúmeras pessoas, de todas as condições sociais, desde o Sr. Conde de Vizela, o casal Aires Pereira e tantos outros, até à gente mais humilde desta zona, simples trabalhadores, criadas de servir, costureiras, que todos com grande dedicação e na medida das suas possibilidades, prestaram ao empreendimento as maiores colaborações.
Não é possível descrever, mesmo em traços rápidos, o que foi o trabalho e empenhamento de toda esta pequena parcela do povo de Deus. Mas apontaremos, como exemplo, a acção de alguns membros da comissão masculina, geralmente o Dr. José Moreira Rodrigues e Edgar Lello, que saíam quase todas as noites com o Frei Estevão a solicitar donativos pelas casas da Avenida Gomes da Costa, até á Foz, chegando a andar, por vezes nessa tarefa até à uma e duas horas da madrugada. As senhoras, por sua vez, desenvolviam também múltiplas actividades, conseguindo ajudas substanciais de pessoas da zona e até de fora, mesmo do Brasil, e organizado vendas de Natal, que iam de 8 de Dezembro até ao dia de Reis a que traziam sempre grande rendimento.
E as obras iniciadas em grande força no dia 12 de Setembro de 1951 data propositadamente escolhida para isso, por ser o dia do Santíssimo Nome de Maria, e se querer assim começar a construção em nome da Mãe de Jesus foram avultando rapidamente.
No fim do ano, algumas famílias da zona tiveram a simpática ideia de oferecer um jantar aos 90 operários que trabalhavam na obra. E a cripta ficou pronta a ser inaugurada no Domingo de Ramos seguinte, a 6 de Abril de 1952. Dessa cerimónia falaremos no próximo Boletim.
(4) Cerca de dois anos depois do início dos trabalhos de preparação do terreno, e a ano e meio do começo da edificação, a cripta da futura igreja de Cristo-Rei estava pronta e apta a funcionar em benefício da população desta zona.
Foi-lhe dado o título de Nossa Senhora do Rosário, motivo porque nela veio a figurar uma estátua, propositadamente vinda de França e hoje na portaria do convento, representando Nossa Senhora a entregar o rosário a S. Domingos.
E escolheu-se, significativamente, para a sua inauguração o começo da semana maior do ano litúrgico, iniciadora do ciclo pascal.
Foi assim, no Domingo de Ramos, dia 6 de Abril de 1952, que ela foi benzida, sob presidência do Pro-Vigario Geral da Ordem de S. Domingos em Portugal, Frei Luis Maria Sylvain, seguindo-se procissão e bênção dos ramos e missa solene em que se cantou a Paixão.
E, nesse mesmo dia, à tarde, houve bênção do Santíssimo Sacramento, com prática pelo Superior da casa conventual Frei Estêvão da Fonseca Faria, justamente satisfeito e encantado com o êxito desta primeira etapa da obra a que dedicadamente metera ombros.
Abrilhantou estes actos um grupo coral – «Cantores de Cristo-Rei» – que entretanto se tinha organizado com moradores desta zona, sob a entusiástica e competente direcção do Frei Bartolomeu Martins.
Na cripta se celebraram, nos dias seguintes, todas as cerimónias da Semana Santa, com a colaboração do mesmo grupo coral. E aqui passou a haver missa dominical às 9 horas, continuando a celebrar-se a do meio-dia na Capela do Conde de Vizela, até que algum tempo depois, também esta passou a realizar-se na cripta, onde à semana começou a haver missa às 7 e às 9 horas. A comunidade crescia e a presença mais assídua dos Padres Dominicanos ia produzindo os seus frutos. Entretanto trabalhava-se activamente na construção do convento cuja primeira parte ficou terminada em Outubro seguinte, de molde a permitir a sua inauguração. Disso falaremos a seguir.
(5) Depois da inauguração da cripta, as obras da igreja e do convento de Cristo-Rei ganharam ainda maior impulso, rodeadas de carinhoso interesse, não só do povo circunvizinho, como de várias personalidades cívicas e religiosas, que as visitaram e justamente encareceram.
Assim sucedeu, por exemplo, com o Dr. José Nosolini, Embaixador de Portugal junto da Santa Sé; o conde de Vizela, o Engº José Frederico Ulrich, então Ministro das Obras públicas; o Bispo resignatário de Nampula, D. Teófilo e o Bispo Auxiliar do Porto, D. Policarpo da Costa Vaz que presidira ao lançamento da primeira pedra.
A cripta, uma vez inaugurada, passou a ser utilizada para todos os actos do culto, aí se celebrando logo, com grande concorrência, o Mês de Maria, cujo encerramento se fez, entusiasticamente, à moda de Fátima, com procissão de velas e adeus à Virgem.
Nuns escassos seis meses, de Abril a Outubro de 1952, a primeira parte do convento (até ao extremo da varanda superior, então aberta e só ultimamente fechada) ficou pronta a ser habitada.
Por isso se procedeu à sua inauguração solene, em 5 deste último mês, festa de Nossa Senhora do Rosário, sob a presidência do Vigário Geral da Ordem dos Pregadores em Portugal, Padre Pio Gaudreault.
Assistiram à cerimónia, ou fizeram-se representar, as principais autoridades civis e eclesiásticas da cidade.
E a comunidade dominicana, então limitada a cinco sacerdotes, mudou-se para a nova casa conventual (casa conventual, e ainda não convento, pois aquela só poderia ser erigida em convento, como mais tarde veio a suceder, quando dispusesse, pelo menos, de oito clérigos, além do Prior).
Nas novas instalações, o trabalho apostólico pôde ampliar-se extraordinariamente, de tal forma que no ano de 1953 mais de uma centena de jovens frequentou a catequese e no ano seguinte esse número mais do que duplicou.
E os irmãos vicentinos da Conferência de S. Domingos, a primeira Conferência de S. Vicente de Paula fundada, nesta zona, em 28 de Maio de 1951, à sombra desta Igreja, puderam alargar e desenvolver a sua magnífica acção caritativa.
Mas as obras não pararam, antes continuaram em plena actividade, começando logo a adivinhar-se o elegante perfil do futuro templo.
(6)  E cerca de dois anos e meio depois do começo da obra, chegou, enfim, o dia tão esperado da conclusão da Igreja de Cristo-Rei. Veio sagrá-la festivamente, em 22 e 23 de Maio de 1954, um frade dominicano de profundo saber e notável actividade apostólica, pouco antes elevado ao episcopado, D. Frei Francisco Rendeiro, então Bispo coadjutor do Algarve. Solenidade cheia de significado, teve entre outros, a assistência do Mestre Geral da Ordem dos Pregadores, Padre Emanuel Suarez, vindo de Roma expressamente para nela tomar parte.
E nesse dia 23, domingo, pelo meio-dia, com o novo templo repleto de gente, nele celebrou solene pontifical o Bispo da diocese, D. António Ferreira Gomes.
Estavam presentes todas as autoridades civis, militares e religiosas da região.
E animou o acto o coral dos «Cantores de Cristo-Rei» (cujo elenco chegou a elevar-se a 35 cantores com 18 elementos na orquestra e que, em tempos antes, já se distinguira numa audição de música religiosa efectuada na cripta). A cerimónia, a que a imprensa da época deu grande relevo, foi radiodifundida pela Emissora Nacional e Rádio Renascença.
O povo cristão desta zona mostrava-se justamente satisfeito e orgulhoso da obra de que tanto carecia e que em tão pouco tempo se conseguira levar a cabo. E a cidade estava também de parabéns, por mais este foco de espiritualidade e apostolado, cujos frutos, dia a dia, vieram a alargar-se muito para além do círculo populacional onde estava inserido.

Abel de Campos.

(1) Voz de Cristo-Rei, nº1, Outubro de 1980
(2)Voz de Cristo-Rei, nº2, Dezembro de 1980
(3) Voz de Cristo-Rei, nº3, Março de 1981
(4) Voz de Cristo-Rei, nº4, Julho de 1981
(5) Voz de Cristo-Rei, nº5, Novembro de 1981
(6) Voz de Cristo-Rei, nº6, Fevereiro de 1982

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