Durante os momentos ICAFG, a professora Margarida Negrais (da Unidade de Escrita Criativa), lançou várias sugestões para produção de textos alusivos ao tema da alegria, na Rádio, na Literatura e no Cinema. Do conjunto de textos recebidos, hoje vamos publicar um poema e uma prosa da aluna Ângela Amaral.
SIM OU NÃO, EIS A QUESTÃO
Fim de tarde. Uma mosca zunia…zunia …descontrolada contra a vidraça. Um raio de sol, teimoso, enfiava-se pela fresta da pesada portada da janela. Os vidros, as porcelanas azuis, os arrebiques dourados das chávenas, ganhavam outro brilho no alto do louceiro que, estoicamente, acompanhava várias gerações.
-Ó Mana, não vale a pena aborrecermo-nos por causa disto! -dizia a Cremilda do alto dos seus botins já cambados e do meio do babado das rendas do vestido de azul desbotado.
-Pois é. Uma telefonia para quê? Estamos tão sossegadas assim. Precisamos de nos incomodar com a vida dos outros, com as desgraças alheias? Quem não ouve, não peca. E eu a poupar nos gastos da casa e vamos agora metermo-nos nisso? Vê-se bem que não tens governo! Até nem precisavas de usar em casa esse vestido! Julgas que estas modernices te ajudam a arranjar marido? –não se cansava de barafustar a Emerenciana ,aconchegando melhor as pontas do xaile de lã e ajeitando a almofada de seda que persistia em lhe desamparar as costas.
-Não ofendas! Eu sei que tenho quase quarenta anos mas tu até me levas a dianteira. Enquanto há vida , há esperança, já dizia a nossa avó. Olha que as tuas rezas, horas a fio no oratório também não te têm ajudado. E já para não falar na tua casmurrice. Então havemos de morrer estúpidas, sem saber o que se passa no mundo? O mundo não é só Leirós ou a Quinta do Chão! E na nossa condição! Até hão-de pensar que estamos com necessidades. Pensa bem. Vê se não tenho razão.
Cremilda abeirou-se da janela. Lá fora, o sol rasava as últimas lajes da eira. O espigueiro, já na sombra, a abarrotar de trigo, dava-lhe razão e força. O custo da telefonia era a semente lançada no campo da aventura, da imaginação, do mundo com que sempre sonhara.
Emerenciana denunciava o que lhe ia na alma abanando a cabeça, em silêncio, repetidamente…Que ideia!...Que ideia!...
ALEGRIA EM CONSTRUÇÃO
É o triunfo do choro da criança
que em exultação de alma grita:
“Aqui estou!”
É o sorriso alegre
que alegra o coração da mãe
que, jubilosa , o contempla.
É o levantar os olhos
acima das casas cinzentas
e além do negrume do horizonte.
É a esperança renovada e ardente
que alenta a alma
na subida íngreme e tortuosa
do caminho da vida.
É o andamento vivo de alegro,
incontido pela emoção de um aplauso,
de um reencontro.
É a lágrima que se solta
em torrentes de contentamento,
no atropelo de risos incontidos.
É o” valeu a pena”
porque
uma alegria nunca vem só.
Ângela Amaral
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