Último
artigo do Testamento de D. António Ferreira Gomes. Para ler todo o testamento entre AQUI.
Artigo
décimo segundo: Se alguém viesse a estranhar que neste testamento eu nada expressasse
directa e formalmente sobre os meus sentimentos de fé e piedade, diria que, se toda
uma vida de educador da Fé, pela palavra e pela acção, não tivesse convencido
as pessoas da realidade e sinceridade desses sentimentos, de bem pouco valeria proclamá-los
aqui. Apenas direi que, homem livre e que sempre aspirei a oferecer essa
liberdade a uma causa que superasse a minha vida, sempre também senti que a
liberdade essencial é o próprio mistério da vida humana, mistério que só se
pode entender e realizar em referência ao Absoluto, sentimento esse que já
experimentava mesmo antes de ter encontrado o teólogo Karl Rahner aquilo que me
parece ser a chave explicativa da minha vida consciente, a saber, que a liberdade
humana é “a possibilidade da disposição total e definitiva que o sujeito livre
faz de si mesmo e da sua vida”, e ainda que a liberdade “pela sua essência
fundamental é a necessidade imposta ao homem de decidir-se, livre, a favor ou
contra o inapreensível que chamamos Deus”. Agradeço pois a Deus revelado em
Cristo, à minha família e à sociedade cristã em que nasci o ter-me decidido
livremente a favor do infinito mistério em que Deus se nos revela.
Desejaria
pois que a minha morte, livremente aceite, fosse a suprema afirmação da
liberdade pessoal, que me foi dada em responsabilidade não menos pessoal.
Desejaria oferecer o sacrifício da minha vida pela minha Igreja e por todos aqueles
que me são caros. Não tenho nem levo ressentimentos contra ninguém; e, se a alguém
houvesse de perdoar, faço-o de todo o coração. Peço também que me perdoem aqueles
a quem possa ter ofendido, conscientemente, do que não me lembro, ou
inconscientemente. E, se essas possíveis ofensas fossem por motivo ou ocasião
das causas que servi em Igreja, espero atribuam a culpa e o perdão, não aos
valores eclesiais que estivessem em causa, mas à forma menos compreensiva ou
caridosa que possa ter havido em servi-los.
Por
esta forma dou por concluído o meu testamento, como disposição da minha última
vontade, nesta Casa Episcopal do Porto, onde ao presente resido, no dia vinte e
um de Agosto de mil novecentos e setenta e sete.
D.
António Ferreira Gomes,
Bispo
do Porto
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